A cicatrização

A cicatrização é um processo fisiológico de reparação tecidual, que pode ser consequente de uma lesão nos tecidos por cirurgias, doenças ou acidentes, deixando um sinal físico – a cicatriz. A lesão provoca uma agressão direta ao organismo, podendo atingir pele, fáscia, tecido subcutâneo, gordura, músculos e órgãos. De todos estes, a fáscia (o tecido contínuo que se liga a todos os outros tecidos) é o tecido que, ao ser lesado, provoca um maior impacto e leva, por vezes, a alterações que só se manifestam após alguns anos e em locais distantes da cicatriz.

A fáscia possui inúmeros receptores que “gravam todo o processo de corte” e após o processo de cicatrização é criada uma memória inconsciente e deformada relativamente à condição e função da zona. Ou seja, depois da lesão o corpo assume que a zona lesada é uma “área a proteger”.  A zona da cicatriz é como que bloqueada (uma forma de defesa), quer pela estrutura física da mesma, quer pela emoção negativa associada à lesão e à dor associada no momento da lesão (se for o caso de acidente), e/ou no decorrer do processo de cicatrização. Consequentemente, evita-se que a região circundante ao local de lesão se mova e repuxe a cicatriz, e assim os tecidos de zonas mais distais (zonas mais afastadas) são repuxados de forma a compensar a falta de elasticidade proximal.

Caricatura de um possível quadro de alterações posturais globais por compensação devido a uma retração tecidual.

Com a retratação tecidual, há uma descontinuidade do tecido inicial, e é afetada a sua mobilidade, o que conduz a uma incapacidade de se realizar eficazmente o movimento, afetando várias cadeias musculares, traduzindo-se seguidamente numa alteração postural por compensações. As cirurgias abdominais têm um maior impacto nas tensões corporais quando comparadas a todas as outras.

A disfunção fascial pode criar fibroses e aderências, que quando não são tratadas, podem originar alguns encurtamentos musculares e até mesmo um mau funcionamento de vísceras, causando um desequilíbrio orgânico e dores. Estas alterações traduzem-se diretamente por um espessamento e alterações de sensibilidade, e indiretamente por modificações de postura e até mesmo alterações de humor como ansiedade e/ou estado depressivo devido à memória fascial, a tal memória negativa associada à lesão local que ao perdurar acaba por poder afetar a componente emocional.

Processo de cicatrização

O processo de cicatrização pode ser dividido em três fases, que por vezes se sobrepõem e ocorrem ao mesmo tempo:

  • A fase inflamatória: dura entre um a quatro dias, dependendo da extensão da área a ser cicatrizada e da natureza da lesão. Esta fase é caracterizada por dois processos que procuram limitar a lesão tecidual: a hemostasia e a resposta inflamatória aguda. O tecido pode apresentar edema, rubor e dor, pelo que o Fisioterapeuta apenas estimulará o sistema linfático;
  • A fase proliferativa: dura entre cinco a vinte dias. É caracterizada pela proliferação de fibroblastos – fase de regeneração. Nesta fase, o Fisioterapeuta conseguirá iniciar a aplicação de técnicas suaves de mobilização de tecidos adjacentes e realizar drenagem linfática;
  • A fase de reparação: inicia-se no 21º dia e pode durar meses. É a última fase do processo de cicatrização. A densidade celular e a vascularização da ferida diminuem, enquanto há a maturação das fibras de colagénio. Ocorre uma remodelação do tecido cicatricial formado na fase anterior. O alinhamento das fibras é reorganizado a fim de aumentar a resistência do tecido e diminuir a espessura da cicatriz, reduzindo a deformidade. Durante esse período a cicatriz vai progressivamente alterando a sua tonalidade, passando de vermelho escuro a cor-de-rosa claro. Nesta fase o Fisioterapeuta já consegue aplicar diversas técnicas de mobilização, estiramento, estimulação sensorial, entre outras.

A avaliação da cicatriz é bastante importante para que o tratamento possa ser mais especifico e direcionado para o tipo de lesão.

Abordagem da Fisioterapia

A nível da abordagem em Fisioterapia, o tratamento envolve a libertação tecidular da cicatriz e das áreas envolventes, utilizando técnicas miofasciais, mobilização tecidular e articular, trabalho visceral e diafragmático, correção postural (Pilates clínico, Stretching Global Ativo, Reeducação Postural Global), controlo motor e estimulação sensorial.

A simples massagem com creme gordo/hidratante em casa não é o suficiente para fazer face a tão vastas alterações.

Reabilitar um tecido cicatricial exige um trabalho global. Não se cinge a uma intervenção local e, por vezes, à visão do utente, mais estético, mas sim também é um trabalho com envolve estruturas adjacentes e até mais distais, de forma a corrigir as tensões corporais, promovendo o bom funcionamento e realinhando a postura, de forma a que o movimento seja o mais eficiente possível.

Objetivos do tratamento de uma cicatriz

Os objetivos do tratamento de uma cicatriz são: a redução ou prevenção de formação de retracções, a redução do prurido (comichão), a redução do edema (inchaço) que pode causar dor e rigidez; a redução e controlo da dor, a normalização das alterações de sensibilidade da pele, a normalização dos tecidos moles subjacentes, a prevenção das alterações de postura (compensações), a promoção de controlo emocional pela libertação das tensões guardadas na memória fascial e a restauração da elasticidade tecidual permitindo a viabilidade dos tecidos para o aumento de alongamento e fortalecimento dos tecidos envolvidos

O principal objetivo é o desenvolvimento de uma cicatriz de boa qualidade, após terem sido alcançados todos os objetivos anteriores, com o maior sucesso possível.

A cicatriz é uma marca para toda a vida, não é meramente um problema estético e sem importância a nível físico, e até emocional. Não deve ser negligenciada e desprezada apenas pelo que se vê a olho nu.

Bibliografia e Referências Bibliográficas:

Chaitow, L. Terapia Manual para Disfunção fascial, Brasil Artmed 2017

A cicatriz e a sua consequência invisível, 2016, https://fisiovida.pt/a-cicatriz-e-a-sua-consequencia-invisivel/ consultado em 2019

Novais, Alexandre – Manual de formação de terapias miofasciais –Bwizer 2016

Tedim Joao –  Manual de formação de terapia sacrocraniana –Bwizer 2017

Autoras:

Flávia Carvalho, Fisioterapeuta (C-040566072). Formação complementar em técnicas miofasciais e Fisioterapia Dermatofuncional, Osteopatia pediátrica, Terapia Sacro-craniana.

Rita Rodrigues, Fisioterapeuta (C-049587072). Formação complementar em terapias complementares, Terapia miofascial, Osteopatia pediátrica, Terapia Sacro-craniana.

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